terça-feira, 22 de março de 2011

Entrevista Póstuma (1) - Jacques Tati


O Homem Que Sabia Demasiado - Eu diria que o seu cinema é um cinema “geométrico”, no sentido em que o humor é desenhado de forma milimétrica, com planos bem estruturados e um timing de humor ao segundo. Concorda?

Jacques Tati – Sim e não. Eu sempre vi o cinema como uma forma de olhar o mundo, uma espécie de mecanismo que grava e transforma esse olhar numa experiência de humor, sem perder a seriedade na análise e na crítica. Nos meus filmes há essa preocupação pelo lado formal e estético, mas há também uma margem de liberdade e de abertura, procurando explorar novas abordagens na realização ou na interpretação. O Sr. Hulot evoluiu muito ao longo dos meus filmes, passou de homem passivo à mercê dos elementos tecnológicos da sociedade moderna (“O Meu Tio”), para um agente de transformação e de intervenção do meio que o rodeia (“Playtime”). Mas há, de facto, um grande sentido de organização interna nos gags que apresento.

O Homem Que Sabia Demasiado - Numa entrevista, o comediante Rowan Atkinson referiu que a sua grande influência foi Jacques Tati.

Jacques Tati - É um reconhecimento louvável do legado que deixei, mas não sei até que ponto o Rowan assimilou todas as subtis nuances cómico-dramáticas do Sr. Hulot. Construi Hulot como um personagem imbuído de uma perspicácia intuitiva, que aprende com os erros e interpreta o mundo com a experiência e inocência de uma criança. O Mr. Bean parece-me antes um personagem infantilizado (no mau sentido) dessa minha perspectiva.

O Homem Que Sabia Demasiado - O seu filme "Playtime", de 1967, parece ter sido altamente visionário, ao satirizar uma sociedade massificada e mecanicista, hiper-tecnológica, que elimina o indivíduo em virtude das massas no seio do caos urbanístico moderno.

Jacques Tati - A minha visão foi nesse sentido, mas repare que a sua descrição corresponde ao que já existia e acontecia na década de 60! A explosão da sociedade de consumo, a obsessão pela tecnologia moderna, a industrialização do trabalho, a erosão afectiva e social derivada desses factores, eram já bem notórios nos anos 50 e 60. O meu filme não foi percursor em nada, foi antes um testemunho de um mundo do qual tenho sérias dúvidas que seja o melhor para o homem viver e conviver. Mas eu nem gosto muito de falar de "Playtime" porque foi o meu filme mais complexo, difícil e que me levou à total ruína financeira.

O Homem Que Sabia Demasiado - O seu tipo de humor deve muito à comédia burlesca do período mudo: Chaplin, Keaton, Lloyd... Que outros actores ou realizadores aprecia?

Jacques Tati - Oh, não houve outros como Chaplin ou Keaton! Eram os maiores, verdadeiros artisitas de uma arte que definhou a partir do aparecimento do cinema sonoro. Ainda assim, aprecio o humor anárquico dos Irmãos Marx, a comédia de costumes de Jerry Lewis ou do italiano Totó. Já os Monty Python não gosto. O humor absurdo, político e filosófico nunca me atraiu. Além do mais, os Monty Python tinham demasiados diálogos e, por vezes, muito complexos. O Sr. Hulot conseguia dizer o mesmo quase sem dizer uma palavra.

2 comentários:

Gorette Silva disse...

Mas olha...
tava visitando o Tenho estado a ler Whitman e vi um post antigo sobre blogs preferidos e vim parar nesse, cuja postagem de HOJE é sobre jacques tati, um diretor que gosto tanto! Desde o primeiro filme q vi dele me apaixonei por tudo, especialmente pelo Sr. Hulot.
Gosto das coisas que ele elege nos filmes para dar importancia, o detalhe q ele escolhe, o modo como faz, os desfechos que ele dá.
Gosto dos barulhinhos, das demoras, dos modos educados do Sr. Hulot, do clima civilizado de seus filmes mesmo q a cena seja de uma confusão completa.
Agradeço pela boa surpresa, tão necessaria num fim de dia q nada prometia! (rimou rs)
Um abraço.
Volto sempre!

Unknown disse...

Obrigado Gorette.

Tati é também um dos meus realizadores preferidos, por isso iniciei com ele estas entrevistas imaginárias. Aliás, se quiser ler tudo o que já escrevi - directa ou indirectamente - sobre Tati, é ver isto - http://ohomemquesabiademasiado.blogspot.com/search/label/Jacques%20Tati