quinta-feira, 30 de setembro de 2010

As opiniões de Botelho


Ouvi quase na íntegra a entrevista do realizador João Botelho no programa "Prova Oral" da Antena 3, a propósito do seu último filme - "O Filme do Desassossego". E gostei do que ouvi. O João Botelho é um cineasta formado na velha e boa cinefilia dos anos 60, no "Cinema Novo", no gosto pelo cinema clássico europeu.
Eis algumas das opiniões e frases soltas que proferiu (desgarradas do contexto, eu sei, mas pronto, não consegui captar tudo...):
- O filme que gostaria de ter feito é "Amor de Perdição" de Manoel de Oliveira.
- O seu realizador preferido é John Ford e o seu filme preferido de sempre é "Young Mr. Lincoln" do mesmo realizador.
- Considera que hoje em dia os adultos já não vão ao cinema como antigamente; os filmes de Hollywood são direccionados para os adolescentes e jovens (faixa 14 - 22 anos). Referiu que certas séries televisivas norte-americanas são de melhor qualidade do que a maior parte do cinema de Hollywood.
- Preferia fazer um filme em Bollywood do quem em Hollywood.
- Conviveu, todos os dias, durante 4 anos, com João César Monteiro.
- Adora o cinema de Buñuel, Ozu, Bresson, Welles, Rossellini, Visconti, Ophuls, Oliveira...
- Aprendeu muito com o mestre Manoel de Oliveira. Uma vez este disse-lhe: "Se não tiveres dinheiro para filmar uma carroça, filma apenas a roda, mas tem é de ser bem filmada!"
- Teve contacto com o conteúdo da Arca de Fernando Pessoa há 30 anos, com os manuscritos, os óculos, e canetas do escritor.
- Considera que o actor que interpreta Bernardo Soares, Cláudio da Silva, é um misto dos actores Gael Garcia Bernal e Johnny Depp. Disse-lhe para nunca pestanejar durante as filmagens. O actor só pestanejou quando acendeu um cigarro.
- Podiam-se fazer dezenas de filmes diferentes a partir do "Livro do Desassossego" de Pessoa.
- Manoel de Oliveira "inventou" a "5ª idade" à qual espera chegar.
- Questionado sobre se gostaria de fazer um filme sobre futebol, Botelho referiu que não, porque o futebol é muito difícil de filmar, de captar as emoções do jogo. Gostou moderadamente do documentário de Kusturica sobre Maradona e do "Zidane - Um Reatrato do Século XXI".
- Do cinema contemporâneo gosta dos irmãos Coen, de Tim Burton e de Wes Anderson.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Falta um Groucho Marx nos dias de hoje


Em tempos de crise profunda como a actual, o humor é uma boa arma de protesto e de crítica. Foi o que fez Groucho Marx, com os seus filmes, na época da Grande Depressão decorrente do "Crash" da bolsa (1929). Precisávamos, pois, de um Groucho.
A sua figura, só por si, era já cómica o quanto baste. Bigode espesso pintado de negro, charuto ao canto da boca, falador sarcástico e dono de um andar bizarro. Na inscrição da sua lápide, por vontade prórpia, está escrito: “Desculpem Por Não me Levantar”.
Piada derradeira de um homem que soube, na vida como na morte, usar o humor como instrumento de sátira social e política.
Possuía um extraordinário talento comunicativo, fruto da sua eloquência verbal que desconcertava quem o ouvisse falar. Sobretudo as mulheres, já que estas eram sobejamente o alvo preferencial do humor marxista. De resto, das mulheres achava Groucho que eram uma espécie humana de somenos expressão e que raramente as conseguia compreender. Olhava para elas com sobranceria e eram frequentemente objecto de piadas sexistas e cínicas.
Talvez no esforço de entender melhor a alma feminina tenha casado três vezes em diferentes fases da sua vida. A sua última subida ao altar deu-se já Groucho tinha 80 anos. Casou com a sua secretária, uma moça invariavelmente muito mais nova do que ele e que, curiosamente ou talvez não, tinha interpretado um papel num dos primeiros filmes de outro mestre do humor no cinema, Woody Allen. Coincidências? Groucho Marx conheceu o apogeu da fama com os célebres Irmãos Marx, pandilha de humoristas anárquicos, autores de alguns dos mais subversivos filmes feitos em Hollywood (“Um Dia nas Corridas”, “Uma Noite na Ópera”…).

Devastaram cânones sociais e hábitos do capitalismo selvagem que se inculcaram numa burguesia instalada. Romperam regras básicas da narrativa cinematográfica, romperam com convenções de estilo, e introduziram outro elemento primordial para o seu sucesso: a improvisação. Conta-se que no plateau a irreverência era total e que muitas vezes não seguiam o guião, improvisando sequências inteiras.
É claro que por vezes o resultado era o cenário destruído, o guião de pernas para o ar, as actrizes acossadas e o produtor de cabeça perdida. Não havia limites para a criatividade dos Marx e o seu humor feito de situações absurdas e levadas ao paroxismo cómico resultou tanto em admiração como em ódio.
Ainda hoje, depois de trinta anos do desaparecimento da morte do líder dos irmãos Marx, continua a haver legiões de devotos e de admiradores por todo o mundo. Figuras irreverentes com a do Groucho já não existem mais, capazes de subverter a ordem e continuar a assobiar para o lado como se nada fosse.
Voltando ao início: os tempos de hoje necessitavam de um Groucho Marx. Ou, então, uma generalizadoa dose de "espírito marxista".

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Uma colecção a não perder


A próxima colecção de DVD do Público é absolutamente imperdível: 15 filmes essenciais (uns mais do que outros) de 15 realizadores essenciais (uns mais do que outros). Intitula-se, bem a propósito, "Grandes Realizadores" e vai contar com filmes de John Ford, Moretti, Godard, Pialat, Resnais, Jarman, Kiarostami, Cassavetes, Sokurov, Bresson, entre outros.
As edições fazem parte do rico catálogo da Midas Filmes e o primeiro DVD sai já na próxima sexta-feira com a magnífica obra "Young Mr. Lincoln" de John Ford, a um preço irrisório: 1.99€.
Só não percebi se se trata de preço de lançamento ou não...

A morte de uma montadora


Se há especialidade técnica (e artística, diga-se) na qual as mulheres tiveram um papel preponderante no cinema, essa especialdiade é a da montagem. O que seria do cinema de Martin Scorsese sem o fabuloso trabalho da montadora Thelma Schoonmaker?
O realizador Quentin Tarantino também trabalhou toda a carreira com a mesma montadora (e amiga), Sally Menke, desde "Cães Danados" (1992) até "Inglorious Basterds". E qualquer cinéfilo sabe como o cinema de Tarantino se expressa pela riqueza da montagem, pela forma como os planos se interligam e constroem uma narrativa, um ritmo e uma linguagem visual.
Sally Menke ganhou vários prémios e foi diversas vezes nomeada para os Óscares e os BAFTA. No entanto, Tarantino não poderá mais contar com o seu trabalho. Sally Menke morreu hoje em Los Angeles, no meio da rua, aparentemente sem sinais de violência. Sem dúvida, uma grande revés, pessoal e profissional, para a vida e carreira de Quentin Tarantino.

Perguntas indiscretas - 38


O YouTube revolucionou o acesso à informação audiovisual. À distância de um clique acedemos aos filmes que nem os cineclubes exibem, ou aos discos mais obscuros da história. Por mais desconhecido e minoritário que seja um filme, um disco ou um vídeo, há-de estar, de certeza, no YouTube. Ou será que não?
Afinal, alguma vez o YouTube vos desiludiu no resultado das pesquisas?

O tédio mortal


Numa certa aula do 12º ano o meu professor de filosofia, após uma breve discussão sobre religião, acusou-me de ser um "perigoso existencialista ateu". Eu respondi que perigosa era a "evangelização" filosófica que os manuais pretendiam transmitir obliterando o desenvolvimento do espírito crítico dos alunos.
Insistiu, perguntando-me se não me angustiava perante a fatalidade da morte. Respondi que o que mais me atormentava não era a previsibilidade da morte, mas sim o tédio em vida (que pode levar à morte).
Para consolidar a ideia, socorri-me de um brilhante dissertação de Kierkegaard sobre a "raiz de todo o mal":
"Não admira, pois, que o mundo vá de mal a pior e que os males aumentem cada vez mais, à medida que aumenta o tédio, e o tédio é a raiz de todo o mal. A história deste pode acompanhar-se desde os primórdios do mundo. Os deuses estavam entediados, pelo que criaram o homem. Adão estava entediado por estar sozinho, e por isso foi criada Eva.
Assim o tédio entrou no mundo e aumentou na proporção do aumento da população. Adão aborrecia-se sozinho, depois Adão e Eva aborreceram-se juntos, depois Adão e Eva e Caim e Abel aborreceram-se em família; depois a população do mundo aumentou e os povos aborreceram-se em massa. Para se divertirem congeminaram a ideia de construir uma torre tão alta que chegasse ao céu. Esta ideia, por sua vez, é tão aborrecida como a torre era alta, e constitui uma prova terrível de como o tédio se tornou dominante."

domingo, 26 de setembro de 2010

Grandes Filmes Frustrados - 6: Lars Von Trier e "Holocausto"

A HISTÓRIA: em finais dos anos 90, o realizador Lars Von Trier tinha como projecto central um filme sobre o Holocausto. Os produtores associados ao projecto deram luz verde ao cineasta dinamarquês mas quiseram conhecer os pormenores do mesmo.
Von Trier escreveu um guião com todos os detalhes e nele defendeu um hiper-realismo total. Queria impor um conjunto de condições indispensáveis para trabalhar e dar o máximo realismo ao filme: desde logo, a construção de um campo de concentração que seguisse fielmente os planos dos nazis; queria também um período de seis semanas no qual os actores viveriam no campo quase nas mesmas condições extremas que os prisioneiros à época da 2ª Guerra Mundial.
CONCLUSÃO: Obviamente, os produtores ficaram assustados com a megalomania do realizador e os actores convidados recusaram trabalhar num filme que exigisse tamanho sacrifício real. Conhecendo a obra de Lars Von Trier, só posso imaginar um filme absolutamente apocalíptico...

"Joy Division - Piece by Piece"

















Como admirador incondicional dos Joy Division não percebo como me passou ao lado a edição, há um ano e meio, do livro "Joy Division - Piece by Piece" de Paul Morley. Agora, um pouco por acaso, descobri este título que fará parte das minhas futuras aquisições.
Paul Morley é um conhecido jornalista (trabalhou no New Musical Express entre 1977 e 1983) e editor discográfico (criou a editora ZTT) e acompanhou de perto a banda de Manchester no seu período áureo. O livro contém, pois, um largo conjunto de artigos do jornalista sobre o curto - mas intenso - percurso artístico da mítica banda de Ian Curtis. 

sábado, 25 de setembro de 2010

Música e loucura


Oliver Sacks, conhecido neurologista e escritor americano, ficou mundialmente famoso com o livro "Despertares" adaptado ao cinema por Penny Marshall em 1990, e que contava com os actores Robin Williams e Robert de Niro. É autor do brilhante livro "Musicofilia", o qual relaciona doenças do foro neurológico com a música.
Sacks tem dedicado parte da sua vida a estudar a influência que a música tem nos seus doentes, nomeadamente, naqueles que sofrem de doenças degenerativas como Alzheimer ou Parkinson. O resultado das suas investigações e experiências revela que os sons são um remédio para a demência (não é novidade absoluta), mas que também podem levar à loucura uma pessoa mentalmente sã (esta afirmação já contém alguma novidade).
Sacks revela um caso de um pianista que sofreu de uma variante grave de Parkinson que mal se conseguia mover com espasmos nervosos. Um dia, sentou-se ao piano e interpretou brilhantemente um "Nocturno" de Chopin. Assim que parou de tocar, voltaram os sintomas da sua doença. Este é apenas um exemplo (entre muitos) do poder que a música exerce sobre o nosso cérebro. A mais recente técnica de pesquisa cerebral - a ressonância magnética funcional, demonstra que ainda há muito para descobrir sobre o modo como o cérebro humano responde aos estímulos sonoros e musicais. Mas uma coisa é certa - a música tem propriedades terapêuticas incríveis (a musicoterapia é uma ciência comprovada). Já Edwin Gordon, reputado teórico que dedicou a sua vida à influência da música no desenvolvimento cognitivo, provara isso mesmo.
Por seu lado, o livro "O Efeito Mozart", editado há uns anos em Portugal, já demonstrara inúmeras provas de como a música exerce um poder curativo e regenerador no homem (e não só no homem, uma vez que está comprovado que a música de Mozart incrementa o crescimento de plantas e a produção de leite nas vacas).
Quanto à questão da música poder levar à loucura é algo muito mais difícil de comprovar. É o mesmo que afirmar que a pintura ou a escultura ou o cinema levam também à loucura. Se não há predisposição para qualquer tipo de esquizofrenia ou paranóia, se não há outros estímulos e circunstâncias que ajudem a desenvolver comportamentos de loucura clínica em alguém, como se pode afirmar que a música, por si mesma, "leva à loucura"? Ficaremos loucos se ouvirmos de forma patológica determinado disco, género musical ou grupo? Será que o death metal ouvido pelos jovens influencia actos de violência (como já foi sugerido?). Será que ouvindo obsessivamente Leonard Cohen ou Erik Satie entramos em depressão? Neste campo teórico, é muito mais perigoso e difícil comprovar laços de causa-efeito.

Depois de J.D. Salinger, Bret Easton Ellis





















Depois da excelente leitura de "À Espera no Centeio" de J.D. Salinger, eis que me vou atirar a um outro título de culto: "Menos Que Zero" de Bret Easton Ellis. Estou certo que  a experiência de leitura será tão enriquecedora e intensa quanto a que retirei da obra de Salinger.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Contra certos conceitos de cultura

- A cultura do comodismo e do conformismo, porque destrói o espírito crítico e anestesia o exercício da cidadania.

- A cultura da fama fácil, imediatista e mediática incrementada junto dos adolescentes que julgam ter talentos geniais a rodos: imposição do paradigma insidioso “Morangos com Açúcar” e “ídolos” em toda uma geração.

- A cultura da alienação televisiva, da telenovela/reality show pós-noticiário da TV, porque embrutece o gosto estético e louva a letargia mental.

- A cultura da maledicência: “dizer-mal-por-dizer-mal-porque-apetece-dizer-mal”.

- A cultura da “formatação radiofónica” e da ditadura da "playlist" generalizada que subverte o conceito de serviço público e oblitera a diversidade musical e cultural.

- A cultura do desprezo pelo êxito artístico de outrem, porque revela esse sentimento tipicamente português: a inveja.

- A cultura da intolerância e/ou menosprezo face a modelos sociais, culturais e artísticos diferentes, minoritários e alternativos.

- A cultura da informação televisiva como espectáculo superficial e de jogos de manipulação (numa espécie de “circo mediático”), porque trata o espectador como imbecil e mentalmente domesticável.

- A cultura desproporcional e eufórica que os media dedicam ao futebol, porque distrai a atenção e a análise séria das coisas realmente importantes da sociedade e da vida.

- A cultura do aproveitamento propagandístico e publicitário em redor da Selecção Nacional de Futebol (bancos, batatas-fritas, detergentes, cervejas, seguros, autarquias, gelados, electrodomésticos, iogurtes…) esse desígnio irrepreensível do qual parece depender o presente e futuro do país.

- A cultura exponencial do entretenimento digital (Internet, videojogos, telemóvel, I-Pod, gadget electrónicos, Playstation…).

- A cultura das pseudo-elites culturais e intelectuais "tugas" e suas inúteis diatribes intestinas na praça pública.

- A cultura dos livros “pop-light” escritos por apresentadores de televisão, cantores, actores e aspirantes a tal, e inerente massificação aterradora dos sub-produtos de aproveitamento comercial.

- A cultura patética dos records nacionais para o Guiness: somos os melhores do mundo nas coisas mais fúteis - a maior feijoada, a maior bandeira, a maior tarte, a bicicleta mais comprida, o maior Bolo Rei…

- A cultura dos neo-liberais e da burguesia instalada, do imberbe jet-set, da ostentação, das festas do “social”, do plasma de última geração na sala de jantar, das férias na Patagónia, e das opiniões saloias-sobranceiras de tudo e de todos sobre tudo e sobre nada.

- A cultura da imagem: para vingar pessoal e profissionalmente, exige-se beleza top-model, roupa fashion de costureiros, visual sofisticado, postura “yuppie” ou “blasé”, em conformidade com os modelos copiados da televisão e do cinema.

- A cultura do “facilitismo” e do “trabalhar para a estatística”: no sistema de ensino, na política, no consumo cultural, na função pública, na vida social.

- A cultura do primado economicista em detrimento dos valores mobilizadores da sociedade: a educação, o investimento, a qualificação/profissionalização, a formação, a arte, a cultura.

- A cultura hype da pseudo "contra-cultura e rebeldia" que certos programas e séries pretendem conotar os jovens.

- A cultura generalizada da iliteracia galopante das novas gerações e consequente ausência de competências e qualificações mínimas para a exigência da vida profissional, social e cultural contemporâneas.

- A cultura alarve dos pacotes de pipocas tamanho XXL e potes de Coca-Cola XXXL e do mau comportamento nas salas de cinema.

- A cultura do fato de treino como indumentária oficial dw muitas famílias passeantes no shopping durante os fins-de-semana.

- A cultura de um certo jornalismo parcial, pouco incómodo e interveniente, acomodado, dependente de critérios económicos e populistas para sobreviver.

- A cultura da mentira, da hipocrisia política, do pedantismo, da futilidade, da injustiça social, da subserviência ao patrão, da aparência enganadora, do sensacionalismo bacoco.

Díptico - 84

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

As 127 horas de agonia de Aron Ralston


Aron Ralston é um alpinista que ficou famoso, em 2003, por ter ficado preso 5 dias numa rocha no deserto do Utah, após uma aparatosa queda. Mas não foi apenas por isso que ficou famoso: impedido de escapar por causa de um braço preso numa rocha (na imagem), Aron Alston tomou a mais inimaginável e duras das decisões: auto-decepou o seu próprio braço para se libertar (processo que demorou uma longa e agonizante hora). Assim conseguiu sobreviver e contar a história para o mundo. Agora este incrível instinto pela sobrevivência em situação limite foi transposto para cinema através do realizador Danny Boyle. O filme chama-se "127 Hours" - o número de horas que o malogrado alpinista esteve preso.
O filme só estreia em Novembro nos EUA, mas já foi exibido no Festival de Cinema de Toronto. As reacções não podiam ser mais brutais devido à crueza das imagens da amputação. Segundo rezam as crónicas de quem viu, houve vários desmaios e ataques de nervosismo na sala, tendo havido a necessidade da intervenção de serviços médicos de urgência. O tremendo realismo revelado nas imagens da amputação e a intensa situação emocional daí resultante, levaram a muitas reacções imprevisíveis (a cena em que Aron corta o braço é mostrada ao pormenor e demoradamente).
O actor que interpreta Aron Ralston é James Franco e, devido à sua entrega neste projecto, muitos dizem ser já um candidato aos próximos Óscares.
Eis o trailer do novo filme de Danny Boyle (não, não mostra nenhuma cena da amputação):


Os mineiros da Serra Pelada


Do trabalho árduo dos mineiros da Serra Pelada (minas de ouro do Brasil) extrai-se beleza visual ao ritmo da música tribal e de um coro de crianças sul-americanas.
A vida em transformação, em consonância com o chamamento original da terra, o sacrifício humano em prol do desenvolvimento civilizacional. O suor destes homens é vertido em ganância alheia. O trabalhador morto que é carregado aos ombros pelos colegas (no final do vídeo) transforma-se numa espécie de "Pietá" dos tempos modernos.
As imagens são captadas por um dos maiores documentaristas de sempre, Godfrey Reggio, musicadas por um dos maiores compositores contemporâneos, Philip Glass.
"Powaqqatsi" é o segundo capítulo de uma trilogia única na história das imagens e dos sons - "Trilogia Qatsi".
E estes cinco primeiros minutos de filme são arrebatadores. Digo eu.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Grandes Filmes Frustrados - 5: Kubrick e "Napoleão"


A HISTÓRIA: Stanley Kubrick era totalmente fascinado pela figura histórica de Napoleão Bonaparte. Em 1968 decidiu que o seu próximo projecto seria uma grande biografia do imperador. Para tal, reuniu, na sua colecção privada, durante muitos anos, 20 mil imagens, quinhentos livros e até dados sobre o tempo que fazia no dia da batalha de Waterloo (cortesia da NASA).
O realizador falou com Jack Nicholson para interpretar Napoleão e o projecto esteve quase para arrancar - depois de anos de atrasos - através do estúdio Metro Goldwyn Mayer. Dado o extremo perfeccionismo maníaco de Kubrick nas filmagens dos seus filmes, os produtores assustaram-se perante tamanha magnitude do projecto: Kubrick dizia que queria 50 a 70 mil figurantes para os exércitos e 50 personagens históricas, principais e secundárias, em cena.
CONCLUSÃO: o orçamento para filmar este ambicioso filme de Kubrick nunca foi concretizado. Porém, ficou para a posteridade um esboço de argumento com 70 páginas que poderá resultar numa mini-série, realizada para a televisão, por Steven Spielberg.
Nota: o tema do filme "Napoleão" que Kubrick nunca realizou resultou num livro editado pela Taschen - "The Greatest Movie Never Made".

Momentos e Imagens - 68


Yoko Ono, Andy Warhol e John Lennon num momento de... amena intimidade.

Sobre a leitura de "Ulisses"

Há tempos li num jornal que o livro "Ulisses" (1921), de James Joyce, foi considerado o "melhor romance jamais escrito" (figurava em 1º lugar numa lista com cem títulos).
Joyce foi, inegavelmente, um rigoroso estilista da língua, um modernista visionário, um inovador formal sem paralelo (só Marcel Proust se lhe poderá comparar). A sua prosa de extraordinária invenção narrativa quebrou normas instituídas e abriu novas portas na experiência literária. Não admira que o escritor irlandês tenha demorado 7 anos a escrever tão monumental obra, cuja história se desenrola num único dia na vida de Leopold Bloom.
James Joyce construiu uma complexa e densa estrutura narrativa, refutando academismos convencionais. Mas "Ulisses" é, igualmente, um romance de grande exigência para o leitor (como é "A Montanha Mágica" de Thomas Mann ou "O Homem Sem Qualidades" de Robert Musil).
A escrita de escritor irlandês parece emaranhar-se em múltiplas linhas narrativas em simultâneo, numa prosa nem sempre inteligível, desorientando o leitor menos prevenido.
Não admira, por isso, que na edição da "Livros do Brasil" que possuo (na imagem), o tradutor disserte sobre a extrema dificuldade técnica que acarretou a tradução do romance para português. Tal dificuldades deveu-se à complexidade de trocadilhos linguísticos, neologismos, recursos expressivos e trocadilhos imaginados e trabalhados por Joyce. O problema é que este rigor técnico e esta exigência formal podem, a meu ver, anular (ou reduzir) o prazer estético da própria leitura.
Daí que eu nunca tenha conseguido chegar ao fim da leitura de "Ulisses" (li apenas dois ou três dos seus 18 capítulos). O mesmo aconteceu com diversos amigos meus. No entanto, esta obra é quase sempre referenciada como essencial na literatura do século XX, facto que suscita uma interrogação paradoxal no meu espírito: será "Ulisses" de Joyce a obra literária mais citada (seja pelo comum dos leitores, seja por críticos literários encartados) e, porventura, a menos lida?

domingo, 19 de setembro de 2010

Óculos de massa pretos - 3

Terceira parte, depois destas, sobre o look que Buddy Holly inaugurou:

Roy Orbinson (músico)

Paul Giamatti (actor)

Morrissey (músico)

Sam Rockwell (actor)

Henry Hollan (estilista)

Ryan Adams (músico)
Spike Lee (realizador)
Rivers Cuomo (músico - Weezer)

Geoffrey G. Finch (estilista)

Rose McGowan (actriz)

Bret Easton Ellis (escritor)

Michael Stipe (músico - R.E.M.)

Lily Allen (cantora)

Jim Carrey (actor)

James Franco (actor)

Eminem (cantor rap)

Madonna (cantora)

Chris Brown (actor e músico)

Cate Blanchett (actriz)

sábado, 18 de setembro de 2010

"White Lightnin"

Às vezes sabe bem ser surpreendido com um filme que, à partida, pouco ou nada se esperaria dele. Falo de "White Lightnin" (2009), do realizador estreante Dominic Murphy. Que eu saiba, esta película nunca estreou em sala em Portugal e nem deve encontrar-se em DVD. Mas fez carreira em diversos festivais internacionais de cinema com boa receptividade crítica (como aconteceu em Sundance).
"White Lightnin" é, de facto, uma fulgurante estreia na realização de Dominic Murphy e conta com uma espantosa interpretação de um actor cuja carreira vou, a partir de agora, seguir com muita atenção: Edward Hogg (nas imagens).
O filme retrata, em constantes flashbacks e com recurso a narração em off, a vida de violência e degradação do jovem Jesco White que, saído de reformatórios e hospícios, tenta fazer carreira na América rural (anos 50) como dançarino em bares (sapateado ao som do tradicional banjo). Pelo meio, encontra um amor que o irá devastar, bares decadentes, o apogeu e a tremenda queda para o abismo de álcool, drogas, fanatismo religioso e violência. Dito assim, até parece que o filme não traz nada de novo. Nada mais errado. A impressionante interpretação de Edward Hogg parece saída do inferno (loucura e morte), a realização, a montagem e a fotografia são absolutamente frenéticas, conseguindo que o filme se revele uma grande surpresa face à mediocridade e previsibilidade dos filmes do género.
A música utilizada é a do bluesman "louco" Hasil Adkins (influenciou os The Cramps!) e o final do filme é uma verdadeira espiral de loucura, vingança e expiação como não via, sei lá, desde o final de "Cape Fear" de Martin Scorsese (a seguir, com toda a atenção, a carreira do realizador Dominic Murphy).
Muito aconselhável, portanto.
Ah, quem quiser ver "White Lightnin", poderá sacar o filme directamente aqui.
Trailer:

A actuação da vida de Joaquin Phoenix


E pronto, tal como era previsível, está oficialmente desmontado o "fenómeno" do actor Joaquin Phoenix. Convenhamos que a farsa foi bem montada e que Phoenix interpretou o personagem mais exigente da sua carreira - durante dois anos, inclusive no círculo pessoal, sem ceder um milímetro (a entrevista a David Letterman - na imagem - ficará para sempre registada, para o futuro, como um momento de pura antologia televisiva).
Agora resta ver o documentário "I'm Still Here" de Casey Affleck para comprovar isso mesmo.
Sobre este assunto da alegada loucura do actor, escrevi aqui dois posts.

A música (e a doença) de Mick Karn


Li no Ípsilon (Público) que o músico Mick Karn sofre de um cancro avançado e não tem condições financeiras para fazer face aos tratamentos. Com apenas 52 anos, o fantástico baixista das míticas bandas Japan (com David Sylvian), Dali's Car e Rain Tree Crow, tem tido a ajuda de vários músicos que deram concertos cujos proveitos económicos reverteram para o combate à sua doença.
Mick Karn sempre me impressionou pela sua técnica instrumental única, capaz de extrair do baixo as linhas melódicas mais originais e improváveis.
Apesar da importância dos grupos a que pertenceu, Karn fez um disco a solo que me marcou profundamente - "Dreams of Reason Produce Monsters" (1987). Um disco em que ainda se notavam os resquícios da pop New Wave sofisticada dos Japan, mas com salpicos neo-clássicos e canções de fino recorte estético. Um disco repleto de fabulosas canções. É o caso desta espantosa composição "Answer", tema viciante que fecha o disco referido. É preciso ouvi-lo até ao fim para assimilar toda a criatividade de Mick Karn.
Agora, só desejo rápidas melhoras para que este talentoso músico possa fazer mais música como esta.


quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Viva Salinger!


Durante muitos anos ouvi falar deste livro como sendo uma referência de culto para várias gerações. Durante muitos anos li que o seu escritor, J. D. Salinger, se tinha isolado após ter escrito esta obra em 1951. Durante muitos anos ouvi dizer que se tratava de uma obra literária de grande inovação formal e estilística. Só a morte do escritor, em Janeiro deste ano, me despertou, definitivamente, para a leitura de "À Espera no Centeio" ("The Catcher in the Rye"). Atraso após atraso, lá o li este Verão. E em boa hora.
Salinger expôs neste livro uma escrita áspera e rude, mas extremamente fluída e consistente. Uma escrita repleta de humor cáustico sobre a vida de um impulsivo e depressivo adolescente - Holden Caufield - revoltado e em crise existencial. Holden Caulfield, narrador e protagonista desta história, revela-se um jovem angustiado perante as incertezas da sua vida e do seu relacionamento com os outros. Holden é expulso do colégio e foge de casa deambulando por uma Nova Iorque excitante de animação e aventura (o livro foi controverso por fazer uso de muito calão e de ter abordado, sem pudor, episódios sobre sexo promíscuo, drogas, álcool e violência).
"À Espera no Centeio" já não terá o impacto que teve nos anos 50 e 60 (em plena época dos "rebeldes sem causa" de James Dean) mas agora compreendi, após a leitura compulsiva, porque é que continua, ainda hoje a fascinar os leitores (nos EUA vende anualmente 200 mil exemplares). Uma obra de grande fulgor sobre a procura da identidade juvenil, sobre a alienação e a rebeldia.
Curioso o facto deste livro de Salinger ter, alegadamente, inspirado alguns crimes famosos: Mark David Chapman, o assassino de John Lennon, lia este livro minutos antes de disparar contra o músico dos Beatles. O atirador que tentou matar o presidente Ronald Reagan refere que foi inspirado pelo mesmo livro.
Outro aspecto interessante: dado o notável poder visual que este livro emana e a sua inerente importância literária, grandes realizadores e actores tentaram, ao longo de décadas, adaptá-lo ao cinema (ou na realização ou na interpretação do protagonista do livro): Elia Kazan, Billy Wilder, Jerry Lewis, Marlon Brando, Jack Nicholson, John Cusack, Leonardo DiCaprio, Terrence Malick, entre outros.
J.D. Salinger sempre recusou vender os direitos de autor. Agora que o escritor morreu, consta-se que a família descendente pondera cedê-los para levar ao grande ecrã esta fabulosa aventura literária. Seria uma excelente notícia!

Grandes Filmes Frustrados - 4: Hitchcock e "Kaleidoscope"


A HISTÓRIA: Em finais dos anos 60 Alfred Hitchcock debatia-se com um certa falta de inspiração. O seu apogeu artístico tinha sido já alcançado com as obras-primas "Psycho" (1960) e "The Birds" (1963).
Como forma de se reinventar, o realizador inglês lançou-se no projecto mais negro e violento de sempre, de tal forma que "Psycho" parecesse uma produção da Disney. Corria o ano de 1971. O mestre do suspense já tinha deixado ao mundo todas as suas obras-primas, mas faltava-lhe fazer "Kaleidoscope", um filme que retratava a vida de um serial killer e violador implacável. O próprio Hitchcock, amante do humor negro e dos recantos violentos da mente humana, achava que poderia ser um filme demasiado violento para o público. "Kaleidoscope" seria um filme brutal com vários assassinatos filmados de forma inovadora (com luz natural) - o actor Michael Caine foi sondado para interpretar o papel do terrível assassino.
CONCLUSÃO: "Kaleidoscope" nunca viu a luz do dia. O argumento estava escrito, a pré-produção em marcha, mas os estúdios de cinema que iriam financiar o filme - MCA Studios - abortaram o projecto. Razão? O argumento demasiado repulsivo e violento. E assim se perdeu, porventura, uma portentosa obra de Alfred Hitchcock, uma viagem aos abismos mais negros de uma mente psicótica, num filme extremo como o próprio Hitchcock nunca tinha feito.

Discos que mudam uma vida - 118


Jane's Addiction - "Ritual de Lo Habitual" (1990)

Uma livraria para cada família


Hay-on-Wye podia ser o nome de uma bebida estranha ou um trocadilho fonético inventado por algum comediante de "stand-up". Mas Hay-on-Wye é, surpreendentemente, o nome de uma pequena vila do País de Gales que faz fronteira com Inglaterra e que tem menos de 3 mil habitantes. A razão desta cidade ser mundialmente conhecida não se restringe, unicamente, ao seu nome original e às suas bucólicas paisagens naturais, mas sobretudo porque esta terra tem o maior número de livrarias por cada habitante. A proporção é, precisamente, de uma livraria para cada 35 habitantes, ou seja, uma livraria para cada família!
No total, Hay-on-Wye tem 38 livrarias, muitas vendem livros em segunda-mão, outras livros novos, e há muitas livrarias especializadas sobre os mais diversos temas: música, ornitologia, religião, fotografia, história, apicultura, criminologia, etc. Uma livraria que me interessaria sobremaneira é a Hay Cinema Bookshop, que tem nas suas prateleiras 400 mil livros sobre... cinema.
Em poucas décadas, a vila transformou-se numa Meca dos bibliófilos de todo o mundo, um verdadeiro paraíso para os amantes de livros e literatura. Este fenómeno crescente de proliferação de livrarias transformou por completo a economia local e o fluxo turístico. Uma livraria em quase cada esquina da cidade. Mais: há estantes de livros ao ar livre espalhadas pelas ruas, que se chamam Honesty Bookshop (o nome diz tudo) - ninguém controla as vendas, existindo um pequeno pote no qual cada comprador deposita o dinheiro pela aquisição de um determinado livro. Seria possível este conceito em Portugal?

Este fenómeno de crescimento exponencial de livrarias numa tão pequena cidade, ficou a dever-se a um homem, Richard Booth, que começou a vender livros em segunda mão ao quilo no antigo quartel dos bombeiros em 1961. A enorme quantidade de livros de Booth atraiu um grande número de negociantes de livros e coleccionadores para a cidade, que rapidamente ficou conhecida como a Vila dos Livros. Negócio puxa negócio e Hay-on-Wye não pára de chamar novos investidores e turistas. A dimensão de livrarias por metro quadrado proporcionou a criação de um festival anual de literatura (apoiado pelo jornal The Guardian), chamado Hay Festival, considerado o maior festival de literatura da Grã-Bretanha (atrai 80 mil pessoas ao longo de 10 dias desde 1988), e por onde já passaram figuras mundiais como Harold Pinter, Martin Amis, Bill Bryson, Salman Rushdie, ou John Irving. O próprio Bill Clinton, ex-presidente dos EUA, descreveu este festival com a sintomática frase: "Um Woodstock do cérebro".
No fundo, o fenómeno cultural que Hay-on-Wye representa é um belo exemplo de como ideias simples podem promover o desenvolvimento de uma localidade. Seria muito interessante que houvesse um conceito semelhante em cada país (já não digo em cada cidade).