quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A distribuição do cinema em Portugal

João Lopes, motivado por um mail de um leitor do seu blogue Sound + Vision, abordou uma questão pertinente sobre a distribuição do filme de animação "O Mágico" de Sylvain Chomet. Basicamente, a questão (ou o problema) reside no simples facto de que o referido filme só se encontrar em exibição em Lisboa e no Porto (e em apenas uma sala).
Ou seja, a pergunta levantada pelo leitor faz sentido: "se os filmes não vão ser vistos pela maioria das pessoas, para quê fazer-lhes publicidade?". João Lopes corrobora esta preocupação questionando - com total legitimidade - o que fazem os agentes envolvidos no sistema de distribuição cinematográfica para conseguir público para os filmes.
Na realidade, parece-me uma verdadeira aberração que só duas ou três salas do país exibam determinados filmes (e não apenas este de Chomet, porque a lógica da distribuição de cinema comercial americano é a inversa: massificação por todos o país e por todas as salas possíveis - com os centros comerciais à cabeça).
Na lista dos melhores filmes do suplemento Ípsilon do jornal Público, reparei num pormenor esclarecedor: 6 ou 7 títulos referenciados (em 10) tiveram unicamente exibição comercial em Lisboa (eventualmente também no Porto). Ou seja, para o Público, a maioria dos melhores filmes do ano foram vistos por uma pequeníssima percentagem de espectadores (os privilegiados das duas grandes cidades portuguesas). Paradoxos difíceis de explicar.
Perante este facto, pergunto: e o resto do país? Um cinéfilo de Bragança ou de Beja tem de se deslocar ao Porto ou a Lisboa para ver um simples filme? É assim com esta deficitária distribuição de cinema de autor que se combate a pirataria? Pelo contrário, só a incrementa. Por isso é que, no meu caso especial, não podendo ver o filme "O Mágico" numa sala de cinema de Lisboa ou do Porto, o procuro na internet.
Dir-me-ão os puristas que não é a mesma coisa. E serei o primeiro a concordar. Claro que não é a mesma coisa. A prioridade para ver um filme é sempre a sala escura. Mas a verdade é prefiro mil vezes ver esse filme que não encontro na sala gravado num DVD ou até num ficheiro avi do que, pura a simplesmente, não o poder ver de todo por falta de oportunidade.
Talvez seja por isso que, ainda há dias, a França chumbou uma proposta de lei que punia a pirataria de filmes e de música.
Acredito que o aceso livre ao conhecimento, à informação e à cultura é um bem mais importante do que os pressupostos e interesses economicistas e comerciais que regem o sistema capitalista que tantas injustiças dissemina por esse mundo fora.

9 comentários:

Sam disse...

E o que dizer do panorama nos Açores, onde só se pode "contar" com a Castello Lopes?...

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Pessoalmente, não critico os que optam muitas vezes por "sacarem" determinado álbum, filme ou série da net. Eu também o faço por questões económicas. Se não fosse esta limitação, visualizaria e compraria tudo aquilo que gosto e que pretendo conhecer.
Sinceramente não me pesa na consciência, até porque grande parte do dinheiro que é desviado pela pirataria deixa de entrar nos cofres das produtoras e afins e não propriamente dos artistas.
Sabemos também que muitos desses artistas recebem num filme, ou num álbum mais dinheiro que um comum trabalhador recebe durante toda a sua vida de trabalho e não sei até que ponto esse desproporção abismal é justa.
Podemos, no entanto argumentar que graças à pirataria deixará de haver dinheiro para investir em novos valores; no entanto se a internet veio "matar" o aparecimento desses novos artistas, ao mesmo tempo veio permitir-lhes divulgar o seu desempenho, que a ser realmente apreciado significará um retorno financeiro no futuro nomeadamente através de concertos ao vivo, Cd's e DVD's com extras e o habitual merchandising para os verdadeiros apreciadores.
Se tiver que optar entre o cenário em que se verifica o enriquecimento desmedido das produtoras e conceituados músicos e actores, onde há algum investimento nos novos valores mas também grandes limitações no acesso à cultura por razões financeiras por parte do cidadão comum, eu opto pelo sistema que permite a baixo custo o acesso massivo e quase ilimitado à cultura cinematográfica e musical, mesmo que isso signifique deixar de alimentar avidamente a máquina comercial e "obrigar" os novos valores a fazer pela vida utilizando os meios de divulgação ao seu dispor.
Normalmente desconfio dos acérrimos defensores das normas anti-pirataria; ou porque fazem parte da máquina, ou porque têm possibilidades financeiras que lhes permitem alcançar de uma forma em geral aquilo que buscam e só pensam neles; ou porque não gostam muito de música e/ou cinema e se contentam com um parco investimento nesta área, ou porque têm medo da própria sombra e temem sofrer as consequências da infracção à lei, ou finalmente, porque dão mais importância ao culto da posse do que ao contacto com a cultura per si e não compreendem outra forma de se estar na vida.
Assim sendo, os únicos defensores da autenticidade que eu possa verdadeiramente respeitar são aqueles que apesar de não pertencerem à máquina, nem serem abastados, nem terem pouca sede de cultura ou pânico da justiça e muito menos preferirem o "terem" do que o "serem", são simplesmente contra devido a uma questão de ética; a esses eu respeito, apesar de não conseguir ser como eles.

Guakjas disse...

Excelente comentário caro Alexander Sweden. Concordo totalmente com o que diz.

Não tenho muito mais a acrescentar àquilo que foi aqui dito. Eu sem a internet não conhecia nem metade do que conheço hoje em termos cinematográficos e musicais...Tudo o que é cultura a sério está nos grandes centros e eu porque vivo mais no interior sou obrigado a levar com as diarreias mentais da cultura de massas que me impõem? Não.
Por isso mesmo que proíbam e que comecem a punir quem faz o download de arquivos na internet, eu continuarei a faze-lo. É a única forma que tenho de ter acesso a cultura a sério...

Bem é isto.
Cumprimentos e parabéns pelo blogue. Sou um leitor assíduo. "Comentador" é que nem por isso. Parabéns também pelo seu maravilhoso projecto de música "Kubik"

Unknown disse...

Obrigado Alexandre pelo óptimo contributo e obrigado Guakjas pelo comentário!

Bom ano!

Manuel disse...

Caro Victor, é um facto que a distribuição de cinema em Portugal é um caso estranho…e não é de agora!
Deixo este comentário só para referir que os filmes (depois de saírem de Lisboa e Porto, eu sei) que interessam ser vistos (um pouco arrogante esta expressão, parece-me) são exibidos em várias localidades através dos cineclubes locais (http://fpcc.pt/index.php) e para deixar um exemplo… pegando no melhor filme para o suplemento Ípsilon do jornal Público, LOLA vai ser exibido em Famalicão (Cineclube de Joane) no dia 27 de Janeiro e no dia seguinte em Amarante programado pelo Cineclube local. O filme estreou com cópia única. Ok.Os cineclubistas destas 2 localidades encontrar-se-ão a meio do caminho para passar as latas de um carro para o outro. Não é só em Lisboa e Porto que se vê cinema. Em Amarante há 15 anos que é há gente a remar…
Um abraço e contra ventos e marés (http://ww1.rtp.pt/icmblogs/rtp/fugadaarte/) um bom ano de 2011.
Manuel Carvalho

Unknown disse...

Caro Manuel: obrigado pelo comentário.
No meu post tenho consciência que exagerei. Sei que generalizei sem realçar os bons exemplos que existem no país. E sei que alguns Cineclubes procuram colmatar as graves falhas de distribuição com uma programação cuidada e de qualidade. Neste aspecto, alguns Cineclubes do norte do país têm uma boa tradição nesse sentido.
Na Guarda, onde vivo, o bom cinema é programado pelo Teatro e pelo Cineclube, mas ainda assim, não é suficiente para ver todos os bons filmes que passam em Lisboa e no Porto.
Um bom ano de 2011!

Unknown disse...

Para os interessados, João Lopes acrescenta dados a este tema -http://sound--vision.blogspot.com/2011/01/cultura-dos-downloads.html

Guakjas disse...

Ora acrescento estes dois links: http://bit.ly/hYWfOX%20 e http://bit.ly/fQac56
Estamos bem arranjados, estamos...