sexta-feira, 30 de julho de 2010

O artista e o seu contexto

Esta é uma experiência quase ready-made à Duchamp: retirar do contexto formal de uma sala de concerto um violinista famoso e consagrado e colocá-lo a tocar, anonimamente, numa estação de metro. Para quê? Para perceber que a valorização artística que qualquer pessoa faz de um determinado fenómeno ou acto depende, e muito, do contexto em que este ocorre. O vídeo em baixo descreve-se em poucas palavras: alguém entra na estação do metro de Washington, vestindo jeans, camisa e boné, encosta-se próximo à entrada, tira o violino da caixa e começa a tocar com entusiasmo para a multidão que passa por ali, na hora de ponta matinal. Como quase sempre acontece, os transeuntes ignoraram a interpretação violinística do músico durante 45 minutos de actuação
O interessante vem agora: o músico que tocava não era nenhum músico de 3ª categoria a tentar sacar umas moedas para comprar um Big Mac. Era, simplesmente, aquele que é considerado como um dos melhores violinistas mundiais: Joshua Bell, executando peças musicais consagradas, num instrumento raríssimo e valiosíssimo, um esplendoroso Stradivarius de 1713, estimado em mais de 3 milhões de dólares.
Alguns dias antes, Bell tinha tocado no Symphony Hall de Boston, onde os melhores lugares custam a bagatela de 1000 dólares. Esta iniciativa foi realizada pelo jornal The Washington Post e a intenção era a de lançar um debate sobre três tópicos intimamente ligados: valor, contexto e arte. O Washington Post concluiu que o virtuoso violinista Joshua Bell era uma obra de arte sem moldura. Um artefacto de luxo sem etiqueta de marca. Talvez. As convenções sociais ligadas à apreciação estética são orientadas para dar mais valor ao contexto do que ao conteúdo e à forma. Repare-se:

O que gostaria era de ver uma experiência ao "contrário": um músico amador e sem currículo a tocar com uma grande orquestra numa grande instituição consagrada à fruição erudita das elites bem pensantes. O contexto estava definido, a arte bem enquadrada. E o valor? Dependeria dos dois primeiros pressupostos? Pois...

3 comentários:

Álvaro Martins disse...

eheh no meio de tanta gente a passar só uma é que o conheceu. Incrível.

Rolando Almeida disse...

Há uma teoria da filosofia da arte, do filósofo ainda vivo George Dickie, que é a teoria institucional que defende com bons argumentos que a arte é definida segundo o seu contexto institucional. Agora repara no exemplo do video: a arte do músico deixa de ser arte? Temos traduzido em português um livro do Dickie, Introdução à estética, Bizancio, mas talvez seja mais adequado ler o que é a arte do Nigel Warburton, também publicado na Bizâncio, e que resume bem estas teorias.
abraço

::Andre:: disse...

A iniciativa é engraçada, mas não creio que fosse necessário para concluir o que à partida todos nós sabíamos. E espanta-me ainda menos o facto de ninguém o ter reconhecido até porque esses lugares de 1000 euros não são comprados por quem anda de metro. Não termino sem dizer que a arte do músico é arte em todo o lado, o reconhecimento sim, esse é que é diferente.