quarta-feira, 5 de novembro de 2008

A estética retro-futurista de Guy Maddin


É considerado o David Lynch canadiano e a comparação, apesar de justa, só peca por redundante. O realizador Guy Maddin é muito mais do que o "David Lynch" do Canadá. É também o Eisenstein, o Tim Burton, o Fritz Lang e o Dziga Vertov do Canadá. Tudo somado e espremido dá um cineasta profundamente original que transforma o cinema em qualquer coisa de novo. Mesmo se 90% da sua inspiração e referências estéticas estejam ancoradas no período do cinema... mudo. Ou seja, Guy Maddin, que deixou o curso de economia para se dedicar à exploração das imagens, assimilou até ao tutano as coordenadas da vanguarda dos anos 20 e 30: o cinema expressionista alemão e o soviético. Juntando a isto a imaginação visual delirante de Maddin devedora da Salvador Dalí e Edgar Allan Poe, chegamos a um resultado artístico único.
Fruto desta assimilação mista de referências, Maddin criou uma linguagem plástica, formal e estética deveras original. Apesar dos seus filmes parecerem saídos de velhas bobinas de película dos anos 20, a verdade é que foram todos realizados nos últimos 15 anos. Dada a singularidade do seu trabalho, depressa se tornou num verdadeiro fenómeno de culto e objecto de adoração artística de cinéfilos ávidos de propostas menos ortodoxas e mais experimentais. E o culto cresceu sobretudo com o sucesso crítico da longa-metragem "A Canção Mais Triste do Mundo" (2003). Este filme tem como protagonistas a portuguesa Maria de Medeiros e Isabella Rossellini e encontra-se à venda em DVD nacional. "A Canção Mais Triste do Mundo" é uma comédia musical negra, satírica, e visualmente espantosa (uso do preto e branco, ocasionalmente da cor, e montagem trepidante).
Mas é nas curtas-metragens que Guy Maddin revela toda a sua arte da manipulação da imagem, numa linguagem estética que bebe do passado mas aponta, claramente, para o futuro. Da sua relativa vasta produção, veja-se apenas esta incrível e premiada curta-metragem intitulada "The Heart of the World" do ano 2000. Um filme mudo (paradoxal nos tempos de hoje fazer filmes mudos!) que em pouco mais de 5 minutos, o realizador homenageia a arte suprema do cinema mudo com uma surrealista história de dois irmãos que amam a mesma mulher responsável pela "saúde do coração do mundo". O ritmo da montagem, o impacto das imagens e sua plasticidade, o fulgor expressivo dos planos e a fabulosa música do compositor russo Georgy Sviridov, constituem elementos que fazem lembrar os áureos filmes de Eisenstein e Vertov. Neste "The Heart of the World", em particular, com um acrescento de pitada de Fritz Lang (piscadela de olho à obra-prima "Metropolis").


E já agora, o link para ver o fabuloso trailer da longa-metragem "Brand Upon The Brain!" (2006) de Guy Maddin - sem dúvida um dos cineastas mais estimulantes e originais do nosso tempo.

2 comentários:

Anónimo disse...

Eu gosto bastante da obra deste realizador mas penso que e a sua estetica nao aguenta uma longa metragem. Torna-se demasiado cansativo e as personagens nunca nos chegam a tocar. E ha obras dele em que a intensidade poetica ultra densa quase nos faz lembrar o cinema de autor portugues... Nao esteticamente falando, claro.

Unknown disse...

Longa-metragem só vi o filme "A Canção Mais Triste do Mundo" e achei magnífico. As outras longas-metragens pretendo vê-las brevemente. Não sei se irá cansar ou não, mas a verdade é que pessoalmente aprecio bastante a "intensidade ultra-densa" (que referes) no que toca a filmes, pelo que por certo me agradará a proposta de Maddin.
Salvaguardando as devidas diferenças, ver um filme mudo de Maddin é quase uma experência similar a ver um filme expressionista de Murnau ou Fritz Lang.